segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Angústia

29/01/17

epifania de raiva e mágoa

talvez esse seja o problema.
a angústia inexplicável, 
essa que permanece no meu sangue por meses e anos
– temo por ela a todo momento.
essa que corre em minhas veias
e
corre por meus olhos
e
escorre por mim num arrastar seco.
encontrei-a nas rachaduras e lutei para deixá-la, 
porque eu achava que esse era o problema.
sim, talvez fosse esse o problema:
encontrá-la e não entender por quê.
não ocorria a mim observar os 
olhos
dos
outros.
esses – aprendi mais tarde – dizem muito sobre o problema
os olhos costumavam repreender meus dedos nervosos
e o tom agudo agarrado às minhas cordas vocais
e por isso – quando aprendi mais tarde – dissolvi a mim mesma 
para não restar mais a
repreensão
porque eu não podia suportar.
meus dedos tornaram-se inertes,
o tom diminuiu.
porém ela – angústia densa saída de frestas – nunca foi embora
porque esse não era o problema.
e tanto diluí e fui diluída que tornei-me
nuvem
e angústia
sólida.
ela aumentou quando minhas palavras me traíam
e eu policiava: silêncio.
então qual o problema?
qual a porra do problema?
sou eu.
eu, aos cinco anos, querendo ser aceita.
eu, aos nove anos, querendo ser aceita.
eu, aos doze anos, querendo ser aceita.
eu, aos dezesseis anos, querendo ser aceita.
e eu me retorço e me envolvo e me contorno,
porque os olhares me dizem.
e os olhares importam.
porque os olhares
ah!,
os olhares alimentam a angústia. 
e, retorcida, encapada, ignorada, permaneço, porém, com os dedos inquietos:
porque sei.
sei que o problema não sou eu,
nem ela,

são eles.
(e ainda não posso suportar)

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

A m o r

[crônica?]

Amor. Amor. Amor. Amor. Amor.


Foi amor quando ele me abraçou tão forte que nossos corpos se fundiram. 

Eu e ele contra o mundo. 

Eu e ele éramos tão certos.

O mundo era tão errado.

Foi amor quando ele segurou meu pulso direito naquela festa, e me levou diretamente para o carro, sem se despedir de ninguém. 

Ele continuava me dizendo que precisávamos ficar juntos.

Eu deitava ao seu lado à noite e desejava e desejava e desejava que ficássemos juntos para sempre.

Foi amor quando ele pediu para que eu ficasse em casa quando minha vizinha me chamou para sair com ela. 

Ela fazer mal a você, dizia.

Foi amor quando eu passei o dia em casa resfriada, e ele fez questão de que eu não fosse ao trabalho. Quando eu me levantei para receber o jornal, notei que a porta da frente estava trancada. 

Ele sempre levava as chaves consigo por acidente.

Foi amor. Sempre amor, quando ele puxava os meus cabelos e me mostrava que minhas atitudes não faziam sentido algum.

Ele era bom para mim. Mostrou-me que eu era ingênua e, por vezes, estúpida. Minhas escolhas não faziam sentido.

Eu não fazia sentido.

Com ele, eu possuía todo o sentido do mundo.

Foi amor, foi paixão, preocupação.

Ele me ligava todas as tardes para me perguntar a que horas eu voltava. Quando eu ficava além do tempo comum, ele ia me buscar. Ficava na porta de meu escritório até eu ser liberada.

E ficava dizendo baixinho na minha orelha "eu te amo, eu te amo, eu te amo", enquanto se aliviava em mim durante a madrugada, quando eu geralmente estava dormindo.

Eu sabia que ele não podia se controlar.

Foi amor quando ele me abraçou tão forte que nossos corpos se fundiram. Eu, tremendo. Ele, sussurrando o quanto me amava o tempo todo. Dizendo-me para não ter medo dos roxos que estavam em minha pele.

Porque às vezes eu merecia.

E, ainda assim, eu não conseguia entender.

Seria eu merecedora do amor dele?



domingo, 10 de abril de 2016

Luto

e então algo se partiu em mim.

como se meu estômago tivesse caído ou meus pulmões perdido o ar.

eu não sabia se era reconhecimento.

aceitação.

mas fiquei pensando no não acordar ao amanhecer.

pensei na Bíblia em e tudo o que a rodeia.

pensei em Deus e pensei nas Almas que nos cercam, contornam, preenchem.

pensei no adormecer solitário.

e nas eternidades depois dele.

e os pulmões continuaram a ter ar, o estômago em seu lugar.

mas algo estava partido.

perdido.

encontrado.

está

tudo

bem.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Vício

"Não vou conseguir escrever.", penso. 
Não quero escrever.
O ato fere, marca. 
Talvez mate alguma parte de mim
Talvez reviva outra, pouco importa. 
Sofro com as palavras ainda em mente. 
Não quero escrever. 
Escrevo.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Carta

"Estou perdendo você." 

Quis desculpar-me. Quis chorar, segurar suas mãos e dizer que não, não era verdade, que estaria aqui para sempre. Quis sussurrar palavras infantis e deixá-las me embalarem até que eu virasse um emaranhado de medo e vergonha. Quis. Apenas quis, porque sabia que não podia. Porque eu não devia nada a ninguém que pudesse fazer-me sangrar daquele modo, e porque era uma mentira.

Você não estava me perdendo. Já me perdera. Eu estava longe, longe. Talvez eu pudesse ter ficado. Talvez, se meus pés não doessem tanto, eu poderia retornar e fingir que nada acontecera. 

Não.

De fato, fui embora.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Nunca pensei.

Nunca pensei em sorrir para estranhos, sorrir para vizinhos, sorrir para qualquer um que nunca tivesse visto meu sorriso. Nunca pensei em pegar a bicicleta e fugir pra, sei lá, o Rio de Janeiro, fugir com minha cadelinha a tiracolo, fugir do ar poeirento e abraçar o ar límpido de qualquer que seja a minha liberdade. Nunca pensei em colocar galochas e pular em poças, encharcar minhas meias, espirrar água nos tornozelos das pessoas que passam. Nunca pensei em fotografar minhas pernas cheias de cicatrizes, meus pés magros e meus dedos calejados. Nunca pensei em deitar no meio do asfalto e procurar estrelas cobertas por tudo, por poluição, por nuvens e por sonhos que flutuaram até o céu e ali ficaram. Nunca pensei porque não me foram dadas alternativas, porque não há possibilidades e os limites estão ali, implícitos. Nunca pensei porque não faz sentido ser sonhadora desse modo. Nunca pensei porque ninguém nunca pensou, e isso faz toda a diferença.  

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Crianças crescidas

É engraçado. Crescer, digo.

Cá entre nós, ainda sou uma completa criança. Não importa o que a maquiagem que eu passei a usar diga, o que meus pensamentos amadurecidos gritem, o que minhas palavras aleatórias recitem; sou uma menina. Estou frequentemente tentando descobrir quem sou, quem serei. Mas sou só uma menina, e sempre serei uma.

Ah, mas todos, todos, querem crescer antes. Maduros, dizem eles, é isso o que somos. Não são. Somos todos crianças. Todos perdidos, sozinhos, juntos, abandonados. Ninguém nunca vai poder crescer e erguer as mãos acima da cabeça, comemorando a vida de crescido.

Porque crescemos do modo mais sutil e silenciosamente possível. E isso vem de nós mesmos. Crescer é inevitável, mas não é rápido ou fácil. Não tem um prazo de validade para os 18 anos. Demoramos tanto, tanto, a crescer. Nem ao menos percebemos quando acontece, porque é algo gradativo.

Sou uma menina. Uma criança. Mas, afinal, todos somos, não é?